domingo, 14 de agosto de 2011

Competição e função empresarial

por Jesus Huerta de Soto (extraído do capítulo 2 de A Escola Austríaca)

O termo "competição" procede etimologicamente do latim cum petitio (competição simultânea de reivindicações sobre uma mesma coisa que é necessário adjudicar ao seu dono) formado por cum, com, e petere, pedir, atacar, buscar.  A competição consiste, portanto, num processo dinâmico de rivalidade e não no denominado "modelo de concorrência perfeita", no qual múltiplos fornecedores atuam da mesma forma e vendem todos ao mesmo preço, ou seja, no qual, paradoxalmente, ninguém compete (Huerta de Soto, 1994: 56-58).

A função empresarial, pela sua própria natureza e definição, é sempre competitiva.  Isto quer dizer que, uma vez que seja descoberta pelo agente uma determinada oportunidade de lucro e que este atue para aproveitá-la, essa oportunidade de lucro tende a desaparecer, de forma que não pode ser detectada e aproveitada por outros agentes.  De igual forma, se a oportunidade de lucro apenas é parcialmente descoberta, ou se, tendo sido totalmente descoberta, apenas foi aproveitada parcialmente pelo agente, parte dessa oportunidade ficará latente e passível de ser descoberta e aproveitada por outros agentes.  O processo social é, portanto, puramente competitivo, no sentido de que os diferentes agentes rivalizam uns com os outros, de forma consciente e inconsciente, para detectar e aproveitar antes dos demais as oportunidades de lucro.

Todo o ato empresarial descobre, coordena e elimina desajustamentos sociais e, em função do seu caráter essencialmente competitivo, faz com que esses desajustamentos, uma vez descobertos e coordenados, já não possam voltar a ser detectados e eliminados por nenhum outro empresário.  Poderia se pensar erroneamente que o processo social movido pela empresarialidade poderia chegar pela sua própria dinâmica a parar ou desaparecer, assim que a força da empresarialidade tivesse descoberto e esgotado todas as possibilidades de ajuste social existentes.  No entanto, o processo empresarial de coordenação social jamais se detém ou esgota.  Isto é assim porque o ato coordenador elementar consiste basicamente em criar e transmitir nova informação que deve forçosamente modificar a percepção geral de objetivos e meios de todos os empresários implicados.  Este fato, por sua vez, dá lugar à aparição ilimitada de novos desajustamentos que fazem surgir novas oportunidades de lucro empresarial num processo dinâmico que nunca tem fim e que faz avançar a civilização.  Ou seja, a função empresarial, não só torna possível a vida em sociedade ao coordenar o comportamento desajustado dos seus membros, como também impulsiona o desenvolvimento da civilização, ao criar continuamente novos objetivos e conhecimentos que se difundem gradualmente por toda a sociedade.  Além disso, e isto é muito importante, a função empresarial permite que o processo atrás descrito se desenvolva de forma tão harmoniosa e ajustada quanto seja humanamente possível em cada circunstância histórica, uma vez que os desajustamentos que constantemente se criam à medida que avança a civilização e aparece nova informação empresarial, tendem por sua vez a serem descobertos e eliminados pela própria força empresarial da ação humana.  Ou seja, a função empresarial é a força que torna a sociedade coesa e possibilita o seu desenvolvimento harmonioso, já que os desajustamentos que inevitavelmente são produzidos nesse processo de desenvolvimento tendem a ser igualmente coordenados pela mesma.

O processo empresarial origina, portanto, uma espécie de contínuo big bang social que permite o crescimento ilimitado do conhecimento.  Assim, como já vimos, em alternativa ao modelo de equilíbrio geral ou parcial dos neoclássicos, a Escola Austríaca oferece um paradigma baseado num "processo dinâmico geral" ou, se preferirmos "big bang social", em contínua expansão e com tendência para a coordenação.  Já se chegou a calcular que o limite máximo de expansão do conhecimento na Terra é de 10 elevado a 64 bits (Barrow e Tipler, 1986: 658-677) pelo que seria possível aumentar em mais de cem bilhões de vezes os limites físicos de crescimento até agora considerados.  Os mesmos autores demonstraram matematicamente que uma civilização humana com base espacial poderia expandir o seu conhecimento, riqueza e população sem limite.  Ambos se apoiam nas principais contribuições da Escola Austríaca em geral e de Hayek em particular, tendo concluído que foram muitas as incorreções escritas sobre os limites físicos do crescimento econômico por parte de físicos que ignoravam a economia.  Uma análise correta dos limites físicos ao crescimento apenas é possível se levarmos em conta a contribuição de Hayek, segundo o qual o que um sistema econômico produz, mais do que objetos materiais, é um conhecimento imaterial (Tipler, 1988: 4-5).

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Abaixo, vídeo com exposição do professor Huerta de Soto sobre competição e função empresarial.


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Jesús Huerta de Soto, professor de economia da Universidade Complutense de Madri, é o principal economista austríaco da Espanha. Autor, tradutor, editor e professor, ele também é um dos mais ativos embaixadores do liberalismo clássico no mundo.

Um comentário:

  1. Muito bom, só gostaria que houvesse algum tipo de conclusão ou síntese, e não apenas um ctrl c + Ctrl v do que está escrito no segundo capítulo do livro... mas foi bom, esse livro é um dos meus favoritos

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